Oppenheimer é a maior bilheteria para um vencedor do Oscar em 20 anos
Oppenheimer não só se tornou a maior bilheteria global para um vencedor do Oscar de Melhor Filme em duas décadas como também uma das maiores da história.
Na cerimônia realizada na noite do último domingo, dia 10 de março, o grande vencedor foi Oppenheimer, o épico drama biográfico sobre o criador da bomba atômica comandado por Christopher Nolan. O longa levou para casa sete estatuetas, inclusive as de Melhor Filme, Diretor, Ator para Cillian Murphy e Ator Coadjuvante para Robert Downey Jr.
Além disso, o longa, que arrecadou monstruosos US$ 959 milhões ao redor do globo, tem a distinção de ser a maior bilheteria em 20 anos para um vencedor do prêmio de Melhor Filme. Há exatamente duas décadas, o grande campeão da cerimônia de 2004 foi O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, que arrecadou US$ 1,1 bilhão globalmente (então a segunda maior bilheteria da história, logo atrás de Titanic) e levou para casa 11 prêmios Oscar.
Nesse meio tempo, nenhum filme que venceu o principal Oscar arrecadou mais do que os US$ 424 milhões conquistados por O Discurso do Rei em 2010. Abaixo disso temos Quem Quer Ser um Milionário?, com US$ 378 milhões em 2008, e Green Book: O Guia, com US$ 321 milhões em 2018 (um total conquistado com uma grande ajuda da China, que contribuiu com US$ 70 milhões).
Assim, é adequado que seja Christopher Nolan a fechar o ciclo iniciado por ele próprio em 2008, com o massivamente bem sucedido Batman: O Cavaleiro das Trevas. Tal longa, que se tornou referência e um dos mais aclamados representantes dos filmes de super-heróis, faturou pouco mais de US$ 1 bilhão há quinze anos atrás.
Naquela época, apenas um máximo de cinco filmes poderiam concorrer ao principal prêmio da Academia. Assim, o grupo de indicados daquele ano (Quem Quer Ser um Milionário?, O Curioso Caso de Benjamin Button, Frost/Nixon, Milk: A Voz da Igualdade e O Leitor) incluiu apenas filmes mais tradicionais e deixou de fora O Cavaleiro das Trevas, gerando uma onda de reclamações de fãs e críticos ao redor do mundo.
Em resposta a isso, a Academia expandiu para dez o número máximo de indicados a partir da cerimônia do ano seguinte. Isso em tese permitiria que mais blockbusters campeões de bilheteria pudessem concorrer junto aos sempre presentes dramas, biografias e pérolas do cinema indie.
No caso específico dos filmes baseados em HQs de super-heróis, o efeito de O Cavaleiro das Trevas foi comprovar para o público, crítica e a indústria do cinema como um todo que longas do tipo podiam ser tão aclamados e até respeitados pelo mais esnobe dos cinéfilos, tanto como dramas policiais ou thrillers.
Quinze anos depois, o que Nolan conquistou com Oppenheimer foi o contrário: mostrar ao mundo que um drama sombrio, solene, de três horas de duração, em que a maior parte das cenas é de pessoas em escritórios dialogando com seriedade – ou, em outras palavras, o tipo de filme que teoricamente o Oscar costuma favorecer – poderia ser um titã nas bilheterias, com um faturamento antes restrito aos blockbusters de super-heróis.
Afinal, foi graças ao sucesso inacreditável de O Cavaleiro das Trevas, juntamente com as bilheterias monstruosas da trilogia do Homem-Aranha de Sam Raimi e, logo em seguida, dos longas do Universo Cinematográfico da Marvel, que tornaram os filmes de heróis nos blockbusters tão onipotentes que vimos nos últimos anos.
Claro, os heróis encapuzados saídos das HQs da Marvel e DC Comics não estavam sozinhos: o sucesso conquistado por séries como Velozes & Furiosos, Jurassic Park, Harry Potter e o próprio O Senhor dos Anéis que, juntamente com os longas de quadrinhos, levaram Hollywood a abraçar franquias mais fantásticas, com ação em grande escala, efeitos especiais e tramas épicas que duravam vários capítulos, ao invés de filmes menos chamativos e mais “tradicionais”, como dramas, romances e comédias.
Sim, blockbusters da forma como os conhecemos existem desde os anos 1970, quando Tubarão, Star Wars e Superman: O Filme dominavam as matinês. Mas até pelo menos meados da década de 2010 a bilheteria não ficava tão concentrada em torno deles. Em 1989, um ano particularmente potente para o cinema blockbuster (Batman de Tim Burton, Indiana Jones e a Última Cruzada, De Volta para o Futuro 2, Máquina Mortífera 2, entre outros), os dramas Sociedade dos Poetas Mortos e Nascido em 4 de Julho ainda conquistaram um lugar entre as 10 maiores bilheterias do ano.
Em meados dos anos 1990, era comum achar comédias, sejam do tipo romântica com Julia Roberts ou Meg Ryan, ou do tipo besteirol com Jim Carrey e Adam Sandler, entre as maiores arrecadações do ano. Até o final dos anos 2000, longas como Mamma Mia! e Se Beber Não Case faturaram mais de US$ 400 milhões globalmente.
No entanto, conforme Hollywood passou a apostar mais agressivamente em caros blockbusters de ação e fantasia, que obrigatoriamente precisam de bilheterias gigantescas para compensarem o investimento, o público também foi condicionado a só ir ao cinema para ver tais longas. Isso coincidiu com a rápida ascensão dos serviços de streaming, que passaram a oferecer por um preço em conta o acesso a milhares de filmes e séries.
Aos poucos, a partir da segunda metade dos anos 2010, uma tendência no comportamento do público ficou clara: ir ao cinema apenas para ver os grandes blockbusters (o MCU, DCEU, Star Wars, Velozes & Furiosos, Jurassic World, sequências de animações clássicas do passado) enquanto deixavam para ver em casa os longas mais “tradicionais”, em especial dramas e comédias. A Netflix, afinal, tornou-se especialista em comédias românticas logo enquanto o gênero perdia força nas bilheterias, dado o sucesso de filmes como A Barraca do Beijo e Para Todos os Garotos que já Amei, entre outros.
Como diz Scott Mendelson em coluna no Substack, no ano 2000 as 6 maiores bilheterias do ano nos EUA representavam 15% de todo o faturamento do ano. Já em 2018, essa proporção havia subido para 25%. Ou seja, um quarto de todo o dinheiro gasto com ingressos para as salas de cinema americanas foi para apenas seis filmes, quatro dos quais (Pantera Negra, Vingadores: Guerra Infinita, Os Incríveis 2, Deadpool 2) eram de super-heróis. Em 2019, o top 6 do ano respondeu por uma fatia ainda maior da bilheteria anual: 27%.
Porém, foi justamente nesses anos que os longas de heróis atingiram seu ápice de popularidade, com o épico encerramento da Saga do Infinito da Marvel em Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato. Este último, que arrecadou US$ 2,8 bilhões globalmente e quebrou uma série de recordes, deu um ponto final não apenas aos primeiros heróis do MCU como também, de um modo mais abstrato, ao cinema de heróis como um todo. Após tamanho clímax, o que poderia vir a seguir para os filmes de quadrinhos?
Antes que Hollywood tivesse tempo de descobrir, o mundo inteiro foi impactado pela pandemia de Covid 19 no ano seguinte. Em 2021, conforme a sociedade lentamente voltava ao normal, o público ainda se agarrou ao que costumava fazer sucesso antes do coronavírus, ou seja, o MCU – daí tivemos Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis quebrando recordes para um lançamento em setembro e Homem-Aranha: Sem Volta para Casa arrecadando quase US$ 2 bilhões.
Mas foi em 2022 que o comportamento da audiência começou a mudar. Parte disso está no fato de que os longas da Marvel daquele ano (particularmente Doutor Estranho no Multiverso da Loucura e Thor: Amor e Trovão – o primeiro talvez até tenha destruído qualquer boa vontade para com o Multiverso que Sem Volta para Casa havia conquistado, uma tarefa que os fiascos Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania e The Flash deram prosseguimento no ano seguinte) não foram bem recebidos nem pela crítica ou pelos fãs.
Porém, enquanto os filmes da Marvel e da DC se tornavam motivo de escárnio, a audiência passou a descobrir outros tipos de longas que, apesar de não trazerem heróis dos quadrinhos, ainda ofereciam um tipo de entretenimento que parecia perdido durante boa parte da década passada. Em 2022, as bilheterias foram dominadas não por um longa do MCU mas sim por Top Gun: Maverick e Avatar: O Caminho da Água.
Esse processo se concretizou em 2023 com o fenômeno Barbenheimer. Enquanto a DC afundava e a Marvel via a recepção do público com Kang e a Saga do Multiverso naufragar em meio à bilheteria fraca de Quantumania e os problemas legais de Jonathan Majors, o maior fim de semana nas bilheterias desde a estreia de Ultimato foi dominado pela comédia fantástica Barbie e o drama biográfico ambientado na Segunda Guerra Oppenheimer. Dois filmes que seriam garantia de bilheterias decentes em 1993 mas nem tanto nos anos 2010.
Agora o processo iniciado por Barbenheimer e coroado com as sete estatuetas do longa de Nolan no Oscar foi prosseguido com a surpreendente bilheteria de Todos Menos Você, uma comédia romântica que, mesmo sem ser bem recebida pela crítica, faturou mais de US$ 210 milhões globalmente – mais do que As Marvels, Madame Teia, Shazam! Fúria dos Deuses e Besouro Azul.
Ou seja, com Oppenheimer e Todos Menos Você, o público está redescobrindo o prazer de assistir no cinema filmes que antes iriam direto para o streaming. Os atuais salvadores do cinema são um drama solene de 3 horas de duração e uma comédia romântica que nem sequer aclamada pela crítica foi.
Em 2008, Nolan elevou o patamar das bilheterias dos filmes de heróis, contribuindo para que eles dominassem as bilheterias pelos quinze anos que se seguiram. Em 2023, Nolan mostrou que, com o filme certo de um diretor certo, a audiência não precisa de super-heróis ou mesmo de cenas de ação caríssimas para comparecer às multidões ao cinema.
Agora Hollywood precisa descobrir como vai seguir a partir de agora. Em tese, é mais simples planejar sequências de filmes de heróis do que o próximo Barbenheimer. E é bom que eles descubram logo. Filmes como Barbie, Oppenheimer e o recente Duna: Parte 2 apontam que as plateias estão sedentas por novas e diferentes formas de blockbuster.