Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica fracassa na bilheteria mundial
2020 tem sido um ano, digamos, incomum, nas bilheterias mundiais. Em primeiro lugar, há o coronavírus, que tem impactado nos hábitos cinéfilos de bilhões de pessoas em todos os...
2020 tem sido um ano, digamos, incomum, nas bilheterias mundiais. Em primeiro lugar, há o coronavírus, que tem impactado nos hábitos cinéfilos de bilhões de pessoas em todos os continentes. Além disso, os maiores sucessos do ano até o momento são um filme de ação para maiores que é sequência de uma franquia dos anos 90/2000 (Bad Boys para Sempre) e um longa baseado em games (Sonic: O Filme). Enquanto isso, entre os fracassos do ano estão um filme de quadrinhos (Aves de Rapina) e, agora, uma animação da Pixar, estúdio mais acostumado ao sucesso.
Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, novo longa do estúdio que trouxe ao mundo clássicos animados como Toy Story, Procurando Nemo e outros, estreou com apenas US$ 40 milhões nas bilheterias da América do Norte. Trata-se de uma estreia abaixo das expectativas da Disney, que esperava que a fantasia animada abrisse em torno dos US$ 45 milhões, e da indústria de cinema, que via sua estreia na casa dos US$ 50 milhões.
Este não é o menor fim de semana de abertura da Pixar, pois em 2015 O Bom Dinossauro arrecadou US$ 39 milhões entre sexta e domingo. Porém, ajustado pela inflação, a estreia da comédia pré-histórica foi de US$ 42 milhões, de modo que isso dá a Dois Irmãos o título de longa da Pixar que menos pessoas foram assistir no fim de semana de estreia.
Ao menos na bilheteria americana, não dá para culpar o coronavírus. Apesar de (até o fechamento dessa matéria) haverem 213 casos da doença e 11 mortes nos EUA, segundo o analista Anthony D’Alessandro reporta no Deadline, a vida tem transcorrido normalmente no país, inclusive com os cinemas funcionando. O problema mesmo está com o filme em si.
Tal como O Bom Dinossauro, Dois Irmãos foi recebido como um longa menor e (o que é pior) voltado apenas para crianças, ao invés de ser um blockbuster atrativo também para os adultos. Sim, longas como Procurando Dory, Os Incríveis 2 e Toy Story 4 chegaram ao bilhão ao levar às salas não apenas famílias com crianças, mas também adultos nostálgicos com os filmes de sua infância. Por outro lado, Divertida Mente conquistou excelente bilheteria (US$ 356 milhões nos EUA e US$ 501 milhões fora de lá para um total de US$ 857 milhões globalmente) ao atrair também um público mais velho aos cinemas.
Para se ter uma ideia, quase 60% do público do fim de semana de abertura eram famílias, com 35% da audiência tendo abaixo de 12 anos de idade. Além disso, Dois Irmãos recebeu uma nota de A- do público, o que seria equivalente a um 9/10. É uma boa nota, porém abaixo da média para a Pixar, cujas notas no primeiro fim de semana costumam ser A (9,5/10) ou A+ (10/10). Aparentemente, a audiência chegou à mesma conclusão dos críticos, na qual o filme, apesar de bom, não está nos padrões altíssimos do estúdio.
Enfim, a Disney tentou o quanto pôde, mas no fim das contas não conseguiu transformar o longa num evento. Entretanto, no fim das contas talvez Sonic tenha se mostrado um concorrente forte demais pelo bolso do público familiar: com os pais já tendo gasto dinheiro com o ouriço azul em fevereiro, resolveram economizar com a estreia desta nova animação original da Pixar de conceito estranho (um mundo similar ao nosso, porém povoado por criaturas de fantasia, como elfos e dragões).
De toda forma, com Mulan chegando apenas no fim do mês, Dois Irmãos terá março apenas para si como a maior opção de entretenimento familiar – isto é, se Sonic não assassinar seu potencial nas bilheterias. Mas mesmo nas perspectivas mais otimistas o longa dificilmente conseguirá compensar por sua fraca estreia.
Comparando com outras animações que também estrearam em março em anos anteriores, uma performance similar à de Zootopia leva Dois Irmãos a um total de US$ 182 milhões nos EUA, enquanto uma mais parecida com a do primeiro Como Treinar o seu Dragão faz com que o filme saia de cartaz com US$ 199 milhões. O problema é que isso dificilmente deve ocorrer, afinal, ambos os filmes que usei para comparar conseguiram ser blockbusters para todas as idades, e não apenas para crianças, conforme discutimos acima.
Uma perspectiva de bilheteria mais realista seria entre US$ 128 milhões (caso desempenhe como o segundo Uma Aventura Lego em fevereiro de 2019) e US$ 150 milhões (no caso de uma performance parecida com a do primeiro Uma Aventura Lego em fevereiro de 2014). Não seria nenhum grande sucesso, mas que poderia ser compensado com uma ótima performance fora dos EUA. Pense em Malévola: Dona do Mal, que decepcionou nos EUA com US$ 114 milhões, porém foi muito bem fora de lá (inclusive no Brasil) e arrecadou US$ 391 milhões nas bilheterias internacionais, com um total global de decentes US$ 492 milhões.
No entanto, fora da América do Norte, a performance de Dois Irmãos foi simplesmente um desastre.
O longa arrecadou apenas US$ 28 milhões em 47 países, bem abaixo dos US$ 40 milhões a US$ 55 milhões previstos pela indústria. Com isso, ele possui um total de apenas US$ 68 milhões globalmente, uma estreia que se torna simplesmente desastrosa quando comparada ao orçamento de US$ 200 milhões do filme (longas da Pixar não são baratos).
Claro, o filme não abriu em alguns dos países mais afetados pelo coronavírus, como a China (onde os cinemas ainda não funcionam), Coréia do Sul (com mais de 7.300 casos e 50 mortes) e Itália (que fechou hoje uma parte de seu norte, afetando a vida de 16 milhões de pessoas). Ainda assim, em países onde ele de fato estreou, eles foram atrapalhados pelo COVID-19, como na França, que está em alerta para casos da doença e em alguns cinemas estão fechados.
Por outro lado, na Espanha já são 580 casos confirmados e por lá o filme estreou em primeiro lugar, com quase US$ 2 milhões, uma performance alinhada com as expectativas. Na realidade, Dois Irmãos liderou as bilheterias no Reino Unido, França, México, Espanha, Brasil, Indonésia, Filipinas, Singapura, entre outros.
É difícil dizer o quanto a fraca performance do filme é graças ao medo das pessoas irem aos cinemas nos países mais atingidos pelo coronavírus, ou o quanto é apenas desinteresse mesmo. No fim das contas, talvez seja uma mistura dos dois, com um fator pesando mais que o outro a depender do país.
Ainda assim, é complicado prever a bilheteria final de Dois Irmãos após uma estreia pavorosa. Será que o coronavírus continuará fechando cinemas em outros territórios, em especial na Europa? Ou será que a doença irá se arrefecer e permitirá que o longa seja a principal opção para famílias em cartaz até abril, quando chegam às telas Mulan e as continuações de Pedro Coelho e Trolls?
O desastre desse fim de semana pode ter duas implicações sinistras para os cinéfilos e fãs. Primeiro, e se a Disney perceber que o coronavírus impactou fortemente Dois Irmãos e com isso resolver adiar seus próximos lançamentos, os quais o estúdio esperava que fossem hits nos mercados mundiais, nomeadamente Mulan e Viúva Negra? Quanto tempo os fãs da Marvel teriam de esperar para assistir ao novo capítulo do MCU? Mais ou menos do que os fãs de James Bond com 007: Sem Tempo para Morrer?
Mas e se a causa não for coronavírus, mas simplesmente o público rejeitando um filme totalmente original, e não baseado em nada? A epidemia um dia irá acabar, porém é sempre um mau sinal para a Sétima Arte quando a audiência rejeita um longa original, que não adapta nenhuma HQ, livro ou game, nem continua alguma franquia antiga. Trata-se de um sinal de que o público só prefere ir aos cinemas quando o filme em questão é uma adaptação ou sequência de alguma outra coisa.
As pessoas reclamam o tempo todo na internet que a Pixar não produz uma animação original, no entanto estão na fila dos cinemas para Os Incríveis 2 e o quarto (!) Toy Story. Mas quando o estúdio produz uma animação original, elas não comparecem aos cinemas, como foi com Viva: A Vida é uma Festa (que não se saiu tão bem nos EUA e em mercados como o Brasil) e agora com Dois Irmãos.
De toda forma, um fim de semana sombrio para a indústria do cinema.