Minecraft: a salvação dos cinemas ou só mais um capítulo da crise que os afeta?
Minecraft trouxe bilheterias não vistas há semanas nos cinemas ocidentais, mostrando-se totalmente invulnerável às péssimas críticas que recebeu.

Um Filme Minecraft é a salvação que os cinemas dos EUA e do Ocidente desesperadamente precisavam. Após meses de bilheterias pavorosas, lideradas por blockbusters decepcionantes (vide Capitão América: Admirável Mundo Novo e Branca de Neve), o longa baseado no game da Mojang trouxe os números que a indústria precisa para se sustentar.
Em seu primeiro fim de semana, Minecraft arrecadou absurdos US$ 163 milhões nos EUA, onde tornou-se a terceira maior abertura americana da história para a Warner Bros, superando hits como Barbie e as sequências do Batman de Christopher Nolan (sem ajustar pela inflação, claro).
Globalmente, foram US$ 314 milhões. A sétima maior abertura global da Warner, atrás de Barbie, Batman vs Superman e os quatro últimos filmes do Harry Potter. Novamente, nada disso leva em conta a inflação e a mudança no mercado de cinema nas últimas décadas.
Nesta semana, Minecraft arrecadou US$ 80,6 milhões na bilheteria americana. É o 16º maior segundo fim de semana da história nos EUA, e o 2º para um filme da Warner, logo atrás de Barbie.
Fora da América do Norte, foram mais US$ 80 milhões em 76 países, incluindo a China.
Ao todo, Minecraft possui bilheteria de US$ 281 milhões nos EUA e US$ 270 milhões fora, resultando em US$ 551 milhões global.
É o primeiro blockbuster real de 2025. Ao menos no Ocidente, já na China a história é outra.
Filme feito para os jovens
O filme é baseado num jogo lançado em 2011 que foi adorado pela geração que era criança na época. Mesmo hoje ele continua conquistando milhões de jovens. Ou seja, trata-se de uma propriedade que é muito forte entre pessoas com 25 anos ou menos.
O sucesso de Minecraft ensina que os jovens ainda querem continuar indo ao cinema. O público alvo do filme, sejam os que cresceram com o game, sejam as crianças que o jogam ainda hoje, aprenderam a consumir a cultura pop na era Netflix, em que o streaming modificou completamente o relacionamento da audiência com meios mais tradicionais, como a televisão regular e, claro, o cinema.
Mesmo depois de, na primeira metade desta década, Hollywood ter arriscado a destruir seus lucrativos lançamentos no cinema para perseguir o ouro (de tolo) do streaming, a geração Minecraft/Netflix sentem que ir ao cinema ainda é uma atividade que vale a pena ser feita. E o sucesso de Minecraft (bem como o de Five Nights at Freddy’s, outra adaptação de um game querido pelas crianças dos anos 2010) deixa isso claro.
Por maior que seja sua base de assinantes, o modelo baseado em home entertainment da Netflix simplesmente não permite reproduzir o tipo de experiência comunitária que ver um filme num cinema lotado de fãs como você traz. E é um alívio ver que este desejo de experimentar a Sétima Arte no espaço que foi feito para ela, em conjunto com outras pessoas, não se perdeu em meio a tantas novidades tecnológicas que isolaram os indivíduos em si mesmos.
Os diversos vídeos das caóticas sessões de Minecraft que viralizaram na internet mostram que os fãs estão se divertindo numa atividade comunitária enquanto geram um debate global sobre etiqueta na sala de cinema.
Só há espaço para franquias bilionárias em Hollywood?
No entanto, o fato de que, enquanto Minecraft arrecada horrores outros filmes baseados em ideias originais sofrem com bilheterias terríveis, mostra que num ponto a geração atual de jovens tem algo em comum com as outras que a precederam. Trata-se de comparecer ao cinema quase exclusivamente somente quando há algum filme baseado numa franquia que os interessa e que já conheçam previamente.
Tal franquia pode ser uma continuação de alguma série cinematográfica sem fim (Jurassic World, Star Wars, Velozes & Furiosos) ou baseado em livros (Harry Potter, O Senhor dos Anéis), quadrinhos (da Marvel e DC) e agora games.
São propriedades intelectuais de bilhões de dólares disputadas a tapas pelos estúdios. Agora cada conglomerado Hollywoodiano se agarra ferozmente a qualquer coisa sob seu domínio, seja a Paramount insistindo em mais Transformers ou a Lionsgate em John Wick e Jogos Vorazes.
Sim, prepare-se para sequências de Gremlins, Os Goonies, O Guarda Costas…
Um problema de décadas
Isso acontece pois é extremamente difícil convencer a audiência a ir ao cinema para assistir qualquer coisa que não esteja conectada a alguma marca que o público reconheça. E os últimos meses nas bilheterias só deixaram isso ainda mais claro.
Não é uma tendência de agora. Começou lá nos anos 1970, quando Hollywood descobriu que poderia ganhar ainda mais dinheiro com blockbusters como Tubarão e Star Wars.
Ao longo dos anos que se seguiram, houve um movimento dos dois lados. O público lentamente começou a concentrar suas idas aos cinemas apenas nos blockbusters mais chamativos, seja Jurassic Park nos anos 90, Harry Potter nos anos 2000 ou os incontáveis filmes de super-heróis que tivemos neste século.
Afinal, aos poucos o público comum foi tendo acesso a mais e mais entretenimento dentro de casa, ao toque de um botão, sem sequer precisar deixar o lar. Com tantas opções e o ingresso tão caro, muitos só passaram a fazer o esforço e gastar o dinheiro para ir ao cinema com filmes baseados em franquias famosas.
Por outro lado, a indústria do cinema também começou a apostar cada vez mais fortemente nessas franquias. No processo, deixou de lado filmes comuns, como romances, dramas, suspenses, thrillers e, especialmente, comédias. Praticamente só o terror sobreviveu, e mesmo ele hoje está quase tão dependente de franquias quanto o resto.
Tem solução?
Cada geração que se seguiu desde que George Lucas revelou Star Wars ao mundo desaprendeu um pouco mais a assistir filmes que não fizessem parte de propriedades intelectuais reconhecidas. Longas comuns, sejam comédias românticas, suspenses jurídicos ou filmes de ação, que atraíam o público não com base em quais easter eggs “que somente os fãs vão reconhecer” ou qual repercussão ele terá para seu caríssimo universo compartilhado. Mas simplesmente por eles estrelarem e serem feitos por artistas queridos do público e/ou trazerem uma história inédita, interessante e relevante.
Nos três primeiros meses de 2025, Hollywood tentou fazer o público ir ao cinema para ver longas que não traziam conexões com propriedades intelectuais bilionárias. E o resultado foram salas vazias para Mickey 17, Novocaine: À Prova de Dor, Código Preto… Somente quando surgiu uma adaptação de uma propriedade intelectual bem quista pela audiência que esta compareceu, apesar das fracas críticas ao filme.
Vale ressaltar que este não é um jogo de “soma zero”. Mesmo os jovens cinéfilos que frequentam os cinemas podem se interessar por produções originais como Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e Longlegs: Vínculo Mortal, ou que façam um clássico do passado soar relevante para os dias atuais, como a série Duna.
Ainda assim, é fato que os acionistas vão olhar os resultados de bilheteria e exigir mais Minecraft e menos Mickey 17. Será que Hollywood está condenada a se manter refém de franquias?
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